domingo, 28 de agosto de 2011


LITERATURA DE CORDEL
Família
Gonçalves
e a
cachaça

Genário gonçalves




1 -  Quero fazer um cordel
Como  jamais alguém fez
Falando da cachaça
Que já fez tanto freguês
O brasileiro, o italiano
Americano e até Frances.


2 -  Essa tal de cachaça
É uma coisa interessante
Tira do caminho certo
E bota no caminho errante
Eu já vi até roqueiro
Sair tocando berrante.


3 -  Muda tudo na vida
Muda a vida da gente
Muda devagarzinho
Muda também de repente
Muda quem está longe
E muda quem está presente.


4 -  Já vi pobre ficar rico
Já vi negro ficar branco
Já vi surdo ficar cego
Já vi o cego ficar manco
Já vi até um mendigo
Sendo dono de um banco.


5 -  Já vi também um boiola
Namorando uma mulher
Vi um cabra confundindo
A comida com a colher
Vi um cara beber pinga
Na hora do seu café.


6 -  Meu avô disse uma vez
Quando mais novo ele era
Que a coisa mais gostosa
Que desceu em sua goela
Foi um copo de cachaça
      Com cravo, limão e canela

7 -  Sem falar na minha mãe
Que um dia na venda do João
Bebeu um copo cheinho
De cachaça com limão
Depois cuspiu e falou
Ô pinga boa do cão.


8 -  Já meu pai nunca gostou
De tomar cachaça pura
Quando bebe ele come
Um taco de rapadura
Pra pinga ficar suave
E ganhar mais gostosura.



9 -  E o meu irmão mais velho
Que é o Zé bafo de cana
Este aí passou um tempo
Lá no meio dos bacanas
Só bebia vinho de padre
Da igreja de Sant’ana.


10 -  Mas no dia que largou
A Santa Igreja da Sé
Deixou de ser sacerdote
E passou a ser o Zé
Toma leite com cachaça
Pensando que é com café .


11 -  Renilda nunca bebeu
Mas pra pagar os pecados
Casou-se com o cachaceiro
Famoso do povoado
O cabra bebia e dormia
E se acordava mixado.


12 -  A Lourdes ô coitada
Nunca bebeu uma gotinha
Passava o tempo todo
Cuidando do seu benzinho
Um sujeito “malacabado”
Que bebe até de canudinho.


13 -  O Agostinho nem se fala
Bebia de fazer pena
Começou a estudar
Na escola da Helena
Passou pela Menininha
E foi parar na Edilena.


14 -  Aprendeu muito pouco
Apenas o “beabá”
Largou logo os estudos
Para poder trabalhar
Como moleque ajudante
Na fazenda do Jeová.




15 -  Mas se casou com a Doura
Cabocla muito arretada
Que passou a fazer
Uns caldeirão de rabada
E o pingunso deixou
As rodas de cachaçada.

16 -  De mim não se pode falar
Nunca gostei de beber
Bebo só um pinguinho
Pra do gosto não esquecer
Só para dar apetite
Na hora que vou comer.


17 -  Na segunda nem pensar
Não bebo nem um pouquinho
Ainda estou de ressaca
Porque tomei um copinho
No domingo anterior
Na casa do meu vizinho.


18 -  Terça e quarta também
Ainda não quero não
Às vezes na quinta ou sexta
Passo lá no meu irmão
Tomo umas  vinte latinhas
Umas pingas com limão.

19 -  E no final de semana
Bebo só uma coisinha
Chamo os meus amigos
Compro dezoito caixinha
Ficamos batendo papo
E a mulher na cozinha.


20 -  A Menininha se casou
Com um caçador de inhambu
Que um dia bebeu sozinho
Três garrafas de pitu
E pensando que era preá
Comeu quatro cururu.





21 -  O Jailson um dia desses
Quando bebia bastante
Foi beber lá pras quebradas
Num lugar muito distante
E na volta bateu a moto
Na tromba de um elefante.

22 -  Que elefante que nada
Ele só se confundiu
Era um jegue de motor
Que estava perto do rio
Querendo namorar
Uma jumenta no cio.


23 -  O Renilson bebe pouquinho
Mas um dia tava danado
Sentou lá no quintal
Junto com seu cunhado
E bebeu tanta cerveja
Que ficou todo lascado.


24 -  Um dia desses fui lá
Só pra poder visitar
Ele pegou dez caixinhas
E botou para gelar
Aí bebemos tudo
Sem ver o tempo passar.


25 -  A Guiomar, aí sim
Bebe que só esponja
Quando tira pra beber
Pensa que cerveja é canja
E no outro dia de ressaca
Fica chupando laranja.


26 -  Se casou com o Edvan
Um sujeito cachaceiro
Bebe de domingo a domingo
De janeiro a janeiro
Bebe até vinho de macumba
Na abertura do Terreiro.



27 -  Givaldo também gosta
De beber uma coisinha
Aliás, não bebe não
Ele come com farinha
Lambe até o chão do bar
Se cair uma gotinha.


28 -  O meu pai não bebe mais
Porque já ta na idade
Mas quando eu chego por lá
Ele volta à mocidade
Me acompanha dia e noite
Pelos bares da cidade.


29 -  Hoje em dia minha mãe
Não bebe mais nada não
Só tem um dente na boca
Pra abrir o garrafão
Para servir a cerveja
Ao seu grande filhão.

30 – A gente bebe bastante
Mas não tem perigo não
A cachaça só faz mal
Pra quem tem desunião
Só bebo com um amigo
Ou então com um irmão.



MEU DEUS
Ta no sol e ta na lua
Nas estrelas que reluzem
No universo, no planeta
Ta no vento e ta na nuvem.

Ta na terra e ta no mar
No canto dos passarinhos
Na chuva que cai no chão
Nas veredas, nos caminhos.

Ta no perfume das rosas
No espinho que fura a gente
Na árvore de tronco grande
Na mais pequena semente.

No sorriso da criança
No latir de um cão amigo
Ta nas horas de alegria
No momento de perigo.

Nas pessoas que tem bens
No mendigo mais aflito
Ta presente no silêncio
No desespero do grito.

Ta na mãe que gera o filho
No leite que lhe amamente
No frio da brisa leve
No calor do sol ardente.
            Genário Gonçalves


ESCRAVIDÃO BULIDA


Ó negro da escravidão que não termina
Que insiste, que explora, que aumenta e cresce
Maltratando a alma negra que padece
Nos grilhões da escravidão que assassina

Como é maldita a sorte, triste sina
Faz no homem renascer a sua prece
Qual riqueza que a alma empobrece
Retirando o amor da mãe menina

Escravidão que outrora era legal
Retirou do homem o bem maior
Sugou as veias, impôs sangue animal

A abolição que “buliu” no menor
No peito negro a lembrança imortal
Deixe morta a escravidão que é vital

                                Genário Gonçalves